Direito do Jogo em Macau
Regulação, Instituições e Desafios
Contemporâneos
Jorge Rodrigues Simão
2025
Prefácio
A presente obra nasce da necessidade de sistematizar, analisar e compreender o regime jurídico do jogo na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), território singular onde tradição, economia e direito se entrelaçam de forma complexa e dinâmica. O jogo, enquanto atividade legalmente reconhecida e institucionalmente regulamentada, constitui não apenas um pilar econômico da RAEM, mas também um objeto de estudo jurídico multifacetado, que exige abordagem interdisciplinar e contextualizada.
Ao longo das últimas décadas, Macau consolidou-se como o maior centro de jogo do mundo em termos de receita bruta, atraindo operadores internacionais, investidores e académicos. No entanto, o crescimento exponencial do sector impõe desafios regulamentares, éticos e institucionais que não podem ser ignorados. A reforma do regime de concessões, uma crescente atenção à responsabilidade social das operadoras, e a necessidade de diversificação económica exigem reflexão crítica e rigor analítico.
Este livro propõe-se, assim, oferecer uma leitura abrangente e estruturada do Direito do Jogo em Macau, articulando fundamentos históricos, fontes normativas, modelos comparados, estruturas institucionais e perspectivas de reforma. Dirige-se a juristas, académicos, decisores políticos e profissionais do sector, com o objectivo de contribuir para o fortalecimento da cultura jurídica local e para o debate informado sobre o futuro do jogo na RAEM.
Introdução Geral
O jogo em Macau não é apenas uma actividade económica, mas também uma realidade jurídica, política e cultural profundamente enraizada na identidade da região. Desde a legalização formal em 1847 até a liberalização do mercado em 2001, o setor evoluiu sob forte influência do Estado, moldando o ordenamento jurídico e a estrutura institucional da RAEM.
A presente obra organiza-se em quatro partes principais. Em primeiro lugar, exploram-se os fundamentos históricos e jurídicos que sustentam o regime actual, com destaque para a Lei Básica, a legislação e os modelos ordinários de regulação. Na segunda parte, analisa-se a estrutura legal e institucional, incluindo o regime de concessões, o papel das entidades reguladoras e o impacto fiscal do setor. A terceira parte dedica-se ao direito penal, ao compliance e à responsabilidade das operadoras, abordando temas como branqueamento de capitais e protecção de dados. Por fim, a quarta parte propõe uma reflexão sobre os desafios contemporâneos, como o jogo online, a sustentabilidade e a diversificação econômica.
A metodologia adotada combina análise normativa, estudo comparado e crítica institucional, com recurso a autoridade, doutrina e documentos oficiais. O objectivo é oferecer uma visão clara, rigorosa e actualizada do Direito do Jogo em Macau, contribuindo para o seu desenvolvimento académico e profissional.
Sinopse Editorial
Direito do Jogo em Macau: Regulação, Instituições e Desafios Contemporâneos é uma obra jurídica de referência que oferece uma análise abrangente, crítica e actualizada do regime jurídico que rege a exploração de jogos de fortuna ou azar na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). Estruturado em quatro partes temáticas, o livro articula fundamentos históricos, enquadramento legal, estruturas institucionais, mecanismos sancionatórios e desafios emergentes, com enfoque na evolução legislativa, na responsabilidade social das operações e na sustentabilidade do setor.
Uma primeira parte traça o percurso histórico do jogo em Macau, desde a sua legalização em 1847 até à liberalização do mercado em 2001, contextualizando o papel da STDM, a transição para a RAEM e as construções do modelo de concessão. A segunda parte examina o regime jurídico vigente, os contratos de concessão, as entidades reguladoras e o impacto fiscal do setor, com especial atenção à atuação da DICJ e à reforma legislativa de 2022.
Na terceira parte, o livro aborda o direito penal aplicado ao setor, os mecanismos de compliance, a cooperação internacional e a proteção de dados, destacando os riscos associados à lavagem de dinheiro, à corrupção e à vulnerabilidade digital. A quarta parte propõe uma reflexão estratégica sobre o futuro do setor, incluindo a regulação do jogo online, a integração cultural e turística, e as perspectivas de reforma institucional.
Destinada a juristas, académicos, decisores públicos e profissionais da indústria, esta obra combina rigor técnico com visão estratégica, contribuindo para o fortalecimento da cultura jurídica local e para o debate informado sobre o papel do jogo na economia, na sociedade e na identidade de Macau.
Bibliografia Comentada
Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (1993) Documento constitucional que estabelece a autonomia legislativa da RAEM e legitima a exploração do jogo como actividade legal. Fundamental para compreender o enquadramento jurídico do setor.
Lei n.º 16/2001 - Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos Principal diploma legal que regula o sector. Definir os princípios, os requisitos de concessão, as obrigações das operadoras e os mecanismos de fiscalização. Objeto central de análise nesta obra.
Lei n.º 7/2022 - Novo regime de concessão Reforma legislativa que introduz alterações significativas no modelo de concessão, com impacto na concorrência, na responsabilidade social e na supervisão estatal.
Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) - Relatórios anuais Fontes estatísticas e institucionais que documentam a evolução do sector, os resultados financeiros das operadoras e as medidas de fiscalização adoptadas.
GAFI - Relatórios sobre Macau (2017, 2022) Avaliações internacionais sobre o cumprimento das normas de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Relevantes para o capítulo sobre conformidade.
Chan, Iok Tong - “Quadro Legal do Jogo em Macau” (Macau Law Review, 2019) Artigo académico que oferece uma leitura crítica do regime jurídico do jogo, com abordagem na evolução legislativa e nos desafios regulatórios.
Zheng, Wei - “Regulamentação de jogos na Ásia: Macau e Singapura comparados” (Asian Journal of Law and Society, 2021) Estudo comparado que analisa os modelos de regulação em duas jurisdições asiáticas, destacando as diferenças institucionais e os impactos económicos.
PARTE I
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS
Capítulo 1
A Origem do Jogo em Macau
A história do jogo em Macau é indissociável da própria formação social, económica e política da região. Desde os primeiros registos de presença da portuguesa no século XVI, Macau assumiu-se como entreposto comercial e ponto de encontro entre culturas, onde práticas lúdicas e apostas informais coexistiam com as dinâmicas mercantis e religiosas.
Durante o período colonial, o jogo foi inicialmente tolerado como atividade paralela, sem enquadramento legal específico. No entanto, a necessidade de arrecadação fiscal e de controlo social levou o Governo de Macau a legalizar formalmente o jogo em 1847, através da concessão da exploração a empresas privadas. Esta decisão marcou o início de um modelo jurídico-administrativo que perduraria por mais de um século, baseado na delegação contratual da atividade a operadores exclusivos.
A primeira concessão relevante foi atribuída à Tai Hing Company, que operava com supervisão limitada estatal. A partir da década de 1930, o jogo passou a ser explorado por diversas entidades, com destaque para o Fu Tak, até que em 1962 foi criado a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), liderada por Stanley Ho. Esta empresa obteve a concessão exclusiva por concurso público e dinâmica uma nova era de profissionalização, modernização e expansão do setor.
A STDM implementou práticas empresariais inovadoras, dinâmicas jogos de fortuna ou azar em grande escala e construiu infra-estruturas emblemáticas como o Casino Lisboa. O jogo tornou-se, então, o principal motor econômico da então província ultramarina, contribuindo significativamente para o orçamento público e para o desenvolvimento urbano.
Com a transição para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) em 1999, o jogo foi reafirmado como actividade legal e estratégica, sendo expressamente previsto na Lei Básica. A liberalização do mercado em 2001, com a abertura a operadoras internacionais, representou uma viragem histórica. O concurso público internacional resultou na atribuição de três concessões principais (SJM, Galaxy e Wynn), posteriormente subdivididas em subconcessões (MGM, Venetian e Melco), consolidando Macau como o maior centro de jogo do mundo em termos de receita brutal.
Este percurso revela uma evolução jurídica marcada por fases distintas: da tolerância informal à legalização contratual, da concessão monopolista à liberalização regulada, sempre com forte intervenção estatal e crescente sofisticação normativa.
Capítulo 2
Fontes do Direito do Jogo
O ordenamento jurídico do jogo em Macau é composto por um conjunto articulado de fontes formais e materiais, que reflectem a especificidade da RAEM enquanto região com autonomia legislativa e administrativa no quadro da República Popular da China.
2.1 - A Lei Básica da RAEM
A Lei Básica, aprovada pela Assembleia Nacional Popular da China em 1993 e em vigor desde 1999, constitui a norma constitucional da RAEM. O artigo 118 estabelece que “o Governo da Região Administrativa Especial de Macau pode, de acordo com a lei, autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo”. Esta disposição confere legitimidade constitucional à atividade, permitindo ao governo local definir o regime jurídico aplicável.
2.2 - Leis Ordinárias
A principal lei que regula o sector é a Lei n.º 16/2001 , que estabelece o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos. Esta lei define os princípios gerais, os requisitos para concessão, os direitos e deveres das operadoras, os mecanismos de fiscalização e as avaliações aplicáveis. Complementam estas leis outras normas, como a Lei n.º 7/2022 (novo regime de concessão pós-reforma), a Lei n.º 2/2006 (prevenção do branqueamento de capitais) e a Lei n.º 8/2021 (protecção de dados pessoais).
2.3 - Regulamentos Administrativos
O Chefe do Executivo da RAEM emite regulamentos administrativos que detalham aspectos técnicos e operacionais, como os critérios de avaliação das propostas, os requisitos de segurança, os procedimentos de licenciamento e os mecanismos de controlo. Estes regulamentos têm força normativa e são fundamentais para a aplicação prática da legislação.
2.4 - Contratos de Concessão
Os contratos celebrados entre o Governo da RAEM e as concessionárias funcionam como instrumentos normativos complementares, com cláusulas que vinculam juridicamente as partes. Estes contratos definem o objeto da concessão, o prazo, as obrigações financeiras, os padrões de operação, os mecanismos de fiscalização e as causas de rescisão.
2.5 - Jurisprudência e Doutrina
Embora os tribunais da RAEM sobre o jogo ainda sejam limitados, há decisões relevantes em matéria de licenciamento, responsabilidade contratual, conflitos laborais e sanções administrativas. A doutrina jurídica local tem contribuído para a interpretação sistemática do regime, com estudos publicados por académicos da Universidade de Macau e da Universidade de Ciência e Tecnologia.
Capítulo 3
Modelos Comparados de Regulação
A regulação do jogo em Macau adopta o modelo de concessão administrativa exclusiva , em que o Estado delega a exploração a entidades privadas através de contrato público, com prazo determinado e cláusulas específicas de controlo.
Este modelo é caracterizado por:
· Forte intervenção estatal
· Limitação do número de operadoras
· Fiscalização contínua por entidades públicas
· Reversão dos bens afetados à concessão no termo do contrato
Este modelo distingue-se do sistema de licenciamento múltiplo , adotado em jurisdições como Las Vegas, onde qualquer operador que cumpra os requisitos legais pode obter autorização. Em Singapura, por outro lado, o regime é híbrido, com forte intervenção estatal, limitações do número de operadores e critérios rigorosos de integridade e responsabilidade social.
A escolha pelo modelo de concessão em Macau reflecte uma opção política e jurídica por um controlo mais directo do Estado sobre uma actividade de elevado impacto económico e social. Tal modelo permite maior previsibilidade contratual, mas exige mecanismos robustos de fiscalização, transparência e responsabilização.
Comparativamente, o regime de Macau apresenta vantagens em termos de arrecadação fiscal, estabilidade institucional e capacidade de planeamento estratégico. Contudo, os desafios relacionados com a concentração do mercado, a dependência económica do sector do jogo e a necessidade de diversificação para garantir a sustentabilidade a longo prazo.
A análise comparada permite identificar boas práticas internacionais que podem ser adaptadas ao contexto da RAEM, nomeadamente em matéria de jogo responsável, protecção do consumidor, combate ao branqueamento de capitais e promoção da integridade institucional.
PARTE II
ESTRUTURA JURÍDICA E INSTITUCIONAL
Capítulo 4
Regime Jurídico das Concessões
4.1 - Fundamentos Jurídicos e Natureza da Concessão
O regime jurídico das concessões de jogo em Macau assenta na figura da concessão administrativa, prevista na Lei n.º 16/2001 e reformulada pela Lei n.º 7/2022. Trata-se de um contrato público celebrado entre o Governo da RAEM e entidades privadas, mediante concurso, que conferem à compra o direito de explorar jogos de fortuna ou azar em casinos, por prazo determinado e sob condições específicas.
A concessão distingue-se juridicamente do licenciamento público por envolver prerrogativas, reversibilidade dos bens afetados à atividade e fiscalização contínua por parte do Estado. O jogo, embora seja atividade de interesse público e de alto impacto econômico, não é liberalizado, sendo objeto de delegação seletiva e controlada.
A natureza jurídica da concessão é híbrida, pois embora contratual, incorpora elementos de direito público, como o poder de rescisão unilateral por interesse público, a exigência de garantias financeiras e a submissão a normas administrativas. A doutrina local autoriza a concessão como instrumento de política econômica, mas também como mecanismo de regulação ética e institucional.
4.2 - Processo de Atribuição e Concorrência
A atribuição das concessões é feita por concurso público internacional, com regras definidas por regulamento administrativo. O processo é conduzido pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), sob supervisão do Chefe do Executivo, e envolve várias fases:
· Publicação do edital e dos critérios de avaliação
· Envio de propostas técnicas e financeiras
· Avaliação multidimensional (experiência, investimento, segurança, responsabilidade social)
· Audiência dos concorrentes e emissão de parecer técnico
· Decisão final e rescisão do contrato
A reforma de 2022 é dinâmica com maior rigor no processo, exigindo planos de desenvolvimento não-jogo, compromissos ambientais e medidas de protecção ao consumidor. A concorrência passou a ser mais transparente, com divulgação pública dos resultados e dos fundamentos da decisão.
4.3 - Conteúdo Contratual e Obrigações das Concessionárias
O contrato de concessão define o objeto, o prazo, os direitos e deveres das partes, os mecanismos de fiscalização e as causas de extinção.
As principais obrigações das instruções incluem:
· Pagamento da contribuição especial e encargos adicionais
· Manutenção de padrões operacionais e de segurança
· Implementação de programas de jogo responsável
· Cooperação com as autoridades reguladoras
· Submissão a auditorias financeiras e operacionais
· Garantia de integridade institucional e prevenção de ilícitos
O contrato pode prever cláusulas resolutivas, conceder por incumprimento, exigência de cautelas e reversão dos bens afetados à concessão. A fiscalização é contínua e envolve relatórios periódicos, inspeções in loco e análise documental.
4.4 - Extinção, Renovação e Reversão
As concessões têm prazo determinado (na verdade 10 anos), podendo ser renovadas mediante novo concurso.
A extinção pode ocorrer por:
· Caducidade (fim do prazo contratual)
· Rescisão unilateral por interesse público
· Resolução por incumprimento grave
· Acordo entre as partes
No termo da concessão, os bens afetados à atividade (infraestruturas, equipamentos, sistemas) revertem para o Estado, sem indenização, salvo disposição contratual em contrário. A reversão visa garantir a continuidade da actividade e a protecção do interesse público.
A revisão exige nova avaliação técnica e financeira, podendo incluir alterações contratuais, revisão das obrigações e redefinição dos objectivos estratégicos. A reforma de 2022 reforça os critérios de renovação, exigindo maior compromisso com a diversificação económica e a responsabilidade social.
Capítulo 5
Entidades Reguladoras e Fiscalizadoras
5.1 - Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ)
A DICJ é o órgão técnico-administrativo responsável pela regulação, fiscalização e coordenação do setor do jogo. Criada em 2000, atua sob tutela do Chefe do Executivo e possui amplas competências:
· Fiscalização das atividades das entregas
· Aprovação de regulamentos internos dos casinos
· Supervisão dos sistemas de controle e segurança
· Emissão de pareceres sobre propostas de concessão
· Investigação de infrações e proposta de avaliação
· Cooperação com entidades internacionais (GAFI, INTERPOL)
A DICJ dispõe de poderes de fiscalização, acesso a documentos, realização de auditorias e imposição de medidas corretivas. Actua com autonomia técnica, mas sujeita à orientação política do Governo da RAEM. A sua atuação é essencial para garantir a integridade do setor e a confiança dos investidores.
5.2 - Chefe do Executivo e Assembleia Legislativa
O Chefe do Executivo exerce funções decisórias e normativas, incluindo:
· Aprovação de regulamentos administrativos
· Celebração e rescisão de contratos de concessão
· Aplicação de sanções administrativas
· Definição de políticas públicas para o setor
A Assembleia Legislativa aprova leis que estruturam o regime jurídico do jogo, podendo propor reformas, fiscalizar a atuação do Governo e convocar audiências públicas. O equilíbrio entre os poderes executivo e legislativo é fundamental para garantir a transparência e a legitimidade institucional.
5.3 - Tribunal de Última Instância e Ministério Público
O poder judicial intervém em casos de litígio entre transportadoras e o Estado, bem como em processos penais relacionados com infracções no sector. O Tribunal de Última Instância tem competência para julgar recursos em matéria administrativa e constitucional, podendo declarar nulidades contratuais ou abusos de poder.
O Ministério Público atua na investigação de crimes como branqueamento de capitais, corrupção, fraude fiscal e associação criminosa. Coopera com a DICJ, a Polícia Judiciária e entidades internacionais, garantindo a aplicação da lei e a protecção da ordem pública.
Capítulo 6
Tributação e Finanças Públicas
6.1 - Regime Fiscal Aplicável às Concessionárias
O setor do jogo é tributado por um regime específico, que inclui:
· Contribuição especial : 35% sobre a receita bruta dos jogos
· Encargos adicionais : 1,6% para o Fundo de Desenvolvimento da Cultura e Turismo; 2,4% para o Fundo de Segurança Social
· Taxas administrativas : licenças, inspeções, autorizações técnicas
Este regime visa garantir arrecadação fiscal robusta, redistribuição de benefícios económicos e financiamento de políticas públicas.
6.2 - Impacto Orçamental e Sustentabilidade
A receita proveniente do jogo representa mais de 70% das receitas fiscais diretas da RAEM, permitindo a manutenção de um sistema fiscal leve para os cidadãos.
No entanto, esta dependência levanta preocupações sobre:
· Vulnerabilidade a crises externas (ex. pandemia)
· Pressão para diversificação econômica
· Riscos de concentração de poder econômico
A sustentabilidade fiscal exige planejamento estratégico, reforço da transparência e promoção de setores complementares (turismo cultural, educação, inovação).
6.3 - Transparência, Auditoria e Responsabilidade
As transportadoras estão obrigadas a manter a contabilidade organizada, os auditorias externas e a inspecção da DICJ. O Tribunal de Contas da RAEM pode realizar auditorias especiais, com vista à verificação da legalidade, eficiência e eficácia da gestão financeira.
A responsabilidade fiscal inclui:
· Prestação de contas periódicas
· Publicação de relatórios financeiros
· Cooperação com entidades reguladoras
· Implementação de sistemas de controle interno
A transparência é condição essencial para a legitimidade do sector e para a confiança dos cidadãos.
PARTE III
DIREITO PENAL, COMPLIANCE E RESPONSABILIDADE
Capítulo 7
Infrações e Sanções no Setor do Jogo
7.1 - Tipologia de Ilícitos
O setor do jogo, pela sua natureza econômica e exposição internacional, é particularmente vulnerável a práticas ilícitas. O ordenamento jurídico da RAEM prevê um conjunto de infrações administrativas e penais que visam proteger a integridade do sistema, a ordem pública e os interesses dos consumidores.
As infrações podem ser definidas em:
· Ilícitos administrativos : violação de normas contratuais, regulamentos internos, obrigações de reporte, regras de segurança e higiene, entre outros. São sancionados pela DICJ com advertência, multa, suspensão ou revogação da autorização.
· Infrações penais : condutas que configuram crimes previstos no Código Penal da RAEM ou em legislação especial, como:
o Branqueamento de capitais (Lei n.º 2/2006)
o Corrupção activa e passiva (artigos 333.º e 336.º do Código Penal)
o Fraude fiscal e falsificação de documentos
o Associação criminosa e abuso de confiança
A responsabilização penal pode atingir não apenas os operadores, mas também os seus administradores, funcionários e terceiros que atuam em conluio.
7.2 - Sanções Administrativas
A DICJ tem competência para aplicar sanções administrativas às concessionárias e aos seus representantes legais.
As restrições incluem:
· Anúncio formal
· Multa até ao limite previsto no regulamento
· Suspensão temporária da atividade
· Revogação da autorização de exploração
· Exclusão de futuros concursos públicos
O processo sancionatório obedece ao princípio do contraditório, com direito de defesa, produção de prova e recurso hierárquico ou judicial. A proporcionalidade da sanção é avaliada com base na gravidade da infração, reincidência, prejuízo causado e cooperação do infrator.
7.3 - Responsabilidade Penal Individual e Corporativa
A responsabilidade penal no setor do jogo pode ser individual ou corporativa. A pessoa colectiva (concessionária) pode ser responsabilizada nos termos da Lei n.º 8/2021, desde que o crime tenha sido cometido no seu interesse ou benefício, e que a direcção tenha falhado na prevenção.
A responsabilidade individual recai sobre os administradores, diretores e funcionários que tenham participado na infração, por ação ou omissão. A jurisdição da RAEM tem reconhecida a possibilidade de coautoria e cumplicidade em crimes económicos complexos, com aplicação de penas privativas de liberdade, multa e perda de bens.
Capítulo 8
Compliance e Prevenção
8.1 - Conceito e Evolução do Compliance
O compliance, entendido como o conjunto de mecanismos internos destinados a garantir o cumprimento das normas legais, contratuais e éticas, tornou-se elemento central na gestão das operações de jogo. A sua evolução em Macau acompanha as critérios internacionais, especialmente as recomendações do GAFI e os padrões de governança corporativa.
O compliance abrange:
· Prevenção ao branqueamento de capitais
· Proteção de dados pessoais
· Integridade institucional e ética empresarial
· Controle interno e auditoria
· Formação contínua dos colaboradores
8.2 - Programas de Integridade e Controle Interno
As transportadoras estão obrigadas a implementar programas de integridade que incluem:
· Códigos de conduta e ética
· Sistemas de relatório interno e canais de denúncia
· Avaliação de riscos e medidas de mitigação
· Auditoria periódica e revisão de procedimentos
· Cooperação com autoridades reguladoras e judiciais
A DICJ exige a apresentação de relatórios de compliance, com indicadores de desempenho, incidentes reportados e medidas corretivas adotadas. Uma falha na implementação pode configurar uma infração administrativa ou uma traição de responsabilidade penal.
8.3 - Cooperação Internacional e Normas do GAFI
Macau é membro activo do GAFI (Grupo de Acção Financeira), estando sujeito a avaliações periódicas sobre o cumprimento das normas de prevenção ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
As vantagens devem:
· identificar e verificar a identidade dos clientes
· Monitorar transações suspeitas
· Reportar operações relevantes às autoridades competentes
· Manter registos por período mínimo legal
· Formar equipes especializadas em compliance financeiro
A cooperação internacional inclui troca de informações com jurisdições parceiras, participação em fóruns técnicos e harmonização de práticas com os padrões globais.
8.4 - Proteção de Dados e Segurança Digital
A Lei n.º 8/2021 sobre protecção de dados pessoais obrigação às instruções quanto à recolha, tratamento, armazenamento e transmissão de dados dos clientes.
O setor do jogo, pela sua natureza tecnológica e volume de dados, exige:
· Sistemas de segurança cibernéticos robustos
· Políticas de privacidade claras e acessíveis
· Consentimento informado dos titulares dos dados
· Medidas de resposta a incidentes e violação de dados
· Cooperação com a Autoridade de Protecção de Dados da RAEM
A violação das normas de proteção de dados pode resultar em avaliações administrativas, responsabilidade civil e danos reputacionais importantes.
Capítulo 9
Responsabilidade Social e Governança Corporativa
9.1 - Responsabilidade Social das Concessionárias
A responsabilidade social empresarial (RSE) no setor do jogo é componente essencial da legitimidade institucional.
As entregas devem demonstrar compromisso com:
· Bem-estar dos colaboradores
· Apoio a iniciativas culturais e educativas
· Promoção do jogo responsável
· Redução de impactos ambientais
· Inclusão social e acessibilidade
A DICJ avalia os programas de RSE como parte dos critérios de renovação das concessões, incentivando práticas éticas e sustentáveis.
9.2 - Governança Corporativa e Transparência
A governança corporativa no setor do jogo exige:
· Estrutura organizacional clara e eficaz
· Separação de funções e responsabilidades
· Supervisão independente e auditoria externa
· Divulgação de informações financeiras e operacionais
· Participação das partes interessadas na definição de políticas
A transparência é condição para a confiança pública, a estabilidade regulatória e a atração de investimento responsável.
PARTE IV
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS E PERSPECTIVAS
Capítulo 10
Jogo Online e Regulação Tecnológica
10.1 - Lacuna Normativa e Implicações Jurídicas
O ordenamento jurídico da RAEM, embora sofisticado no que diz respeito à exploração física de jogos de fortuna ou azar, permanece omisso quanto à regulação do jogo online. A Lei n.º 16/2001 e a Lei n.º 7/2022 não contemplam expressamente a atividade digital, o que gera um vazio normativo que compromete a segurança jurídica, a fiscalização eficaz e a concorrência internacional.
A ausência de enquadramento legal específico impede que as operações desenvolvam plataformas digitais próprias, mesmo que técnicas capacitadas e financeiramente interessadas. Além disso, limita a atuação do Estado na prevenção de práticas ilícitas, como apostas transfronteiriças ilegais, lavagem de dinheiro por meio de criptomoedas e manipulação de dados de jogadores.
Do ponto de vista jurídico, esta lacuna levanta questões sobre a aplicabilidade suplementar de normas gerais de comércio electrónico, protecção de dados e responsabilidade civil, bem como sobre a competência da DICJ para fiscalizar ambientes virtuais.
10.2 - Panorama Internacional e Modelos Comparados
Diversas jurisdições têm avançado na regulação do jogo online com abordagens distintas:
· Reino Unido : modelo de licenciamento com forte supervisão da UK Gambling Commission, exigência de verificação de identidade e limites de apostas.
· Malta : regime liberal com foco na atração de operadores internacionais, mas com critério de cumprimento financeiro e proteção ao consumidor.
· Singapura : modelo restritivo, com autorização apenas para plataformas controladas pelo Estado e forte repressão ao jogo ilegal.
Macau, como centro de jogo global, não pode ignorar esta tendência. A ausência de regulação coloca o RAEM em estratégia competitiva e expõe o sistema a riscos reputacionais e operacionais.
10.3 - Propostas de Regulação Tecnológica
A criação de um regime jurídico específico para o jogo online deve incluir:
· Definição clara de “jogo online” e suas modalidades (cassino virtual, apostas esportivas, loterias eletrônicas).
· Estabelecimento de requisitos técnicos (servidores locais, criptografia, interoperabilidade).
· Licenciamento digital com critérios de integridade, solvência e responsabilidade social.
· Fiscalização por unidade especializada da DICJ, com acesso remoto aos sistemas.
· Proteção de dados pessoais e prevenção de tráfico em ambiente digital.
· Cooperação internacional para combate a redes ilegais e harmonização normativa.
A regulação tecnológica deve ser flexível, adaptável e orientada por princípios de segurança, transparência e inovação responsável.
Capítulo 11
Turismo, Cultura e Sustentabilidade
11.1 - O Jogo como Vetor de Diplomacia Cultural
O sector do jogo em Macau não se limita à actividade económica: é também um espaço de expressão cultural, hospitalidade temática e diplomacia criativa. Os empreendimentos integrados, como o Lisboeta Macau, têm demonstrado que é possível jogo articular, património e identidade local de forma inovadora e inclusiva.
A arquitectura evocativa, a gastronomia macaense, os espectáculos artísticos e as experiências imersivas destacadas para a valorização do legado luso-chinês e para a promoção de Macau como destino cultural. Esta abordagem permite reposicionar o jogo como plataforma de educação patrimonial, turismo sustentável e cooperação internacional.
11.2 - Diversificação Económica e Resiliência Estrutural
A dependência fiscal e econômica do setor do jogo representa um risco estrutural para a RAEM, especialmente em contextos de crise sanitária, instabilidade geopolítica ou retração do turismo. A diversificação exige políticas públicas integradas e compromisso das missões com projetos não-jogo.
As áreas prioritárias incluem:
· Turismo cultural, ecológico e educativo
· Indústrias criativas (design, artes digitais, moda e cinema)
· Educação superior e investigação aplicada
· Saúde, bem estar e envelhecimento ativo
· Tecnologia e inovação em entretenimento
A diversificação deve ser incentivada por meio de cláusulas contratuais, benefícios fiscais, parcerias público-privadas e reconhecimento institucional.
11.3 - Sustentabilidade Ambiental e Inclusão Social
A sustentabilidade do setor do jogo exige práticas ecológicas e inclusivas, como:
· Construção verde e eficiência energética
· Gestão responsável de resíduos e recursos hídricos
· Acessibilidade universal nos espaços físicos e digitais
· Programas de formação para grupos vulneráveis
· Apoio a iniciativas comunitárias e culturais
A responsabilidade ambiental e social deve ser monitorada por indicadores públicos, relatórios anuais e auditorias independentes, com envolvimento da sociedade civil e das universidades locais.
Capítulo 12
Reformas e Futuro do Direito do Jogo
12.1 - Avaliação da Reforma de 2022
A Lei n.º 7/2022 inovação avanços relevantes:
· Redução do número de concessões e aumento da concorrência
· Exigência de planos de desenvolvimento não-jogo
· Reforço da fiscalização e da transparência contratual
· Incentivo à responsabilidade social e à cooperação internacional
Contudo, persistem desafios:
· Ausência de regulação do jogo online
· Fragilidade dos mecanismos de participação pública
· Necessidade de harmonização com normas internacionais
· Limitações na proteção de dados e na segurança digital
A reforma deve ser entendida como etapa inicial de um processo contínuo de modernização institucional e jurídica.
12.2 - Participação Pública e Transparência Institucional
A construção de um sistema jurídico robusto exige:
· Consulta pública nas reformas legislativas
· Divulgação dos contratos de concessão e dos relatórios de fiscalização
· Criação de canais de comunicação com os cidadãos e os trabalhadores do setor
· Fortalecimento da atuação da Assembleia Legislativa e do Ministério Público
A transparência institucional é condição para a confiança pública, a estabilidade regulatória e a atração de investimento ético.
12.3 - Perspectivas Estratégicas para a Regulação
O futuro do Direito do Jogo em Macau depende da capacidade de:
· Integrar inovação tecnológica com responsabilidade jurídica
· Promover a cultura local como ativo estratégico
· Garantir justiça fiscal e proteção dos consumidores
· Estimular a cooperação regional e internacional
· Consolidar um modelo de desenvolvimento inclusivo, ético e sustentável
A regulação do jogo deve ser instrumento de política pública, expressão de valores democráticos e motor de transformação social. Macau tem a oportunidade de liderar uma nova geração de regulação inteligente, culturalmente sensível e globalmente relevante.
Meta Termos Fundamentais para o Direito do Jogo em Macau
1. Regime Jurídico da Exploração de Jogos
- Refere-se ao conjunto de leis que regulamentam a atividade de jogo em cassino, incluindo concessões, licenciamento e fiscalização
- Exemplo: Lei n.º 16/2022, que estabelece o regime da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar
2. Contrato de Concessão
- Instrumento jurídico que formaliza a relação entre o Estado e as operadoras de jogo
- Definir obrigações, limites operacionais e prazo da concessão
- Enquadrado na vertente administrativa do Direito Público
3. Concessão de Crédito para Jogo
- Regulado pela Lei n.º 7/2024, trata da prática de obter fichas de jogo sem pagamento imediato
- Definir o que é considerado “dinheiro” e os limites legais da operação de crédito
4. Direito Contratual do Jogo
- Abrange contratos entre jogadores e operadores, incluindo contratos de aposta e crédito
- Baseado no Código Civil de Macau (art. 1171.º), com distinções entre jogo e aposta
5. Regulação e Supervisão
- Exercício pela Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ)
- Inclui fiscalização de práticas comerciais, prevenção de lavagem de dinheiro e proteção ao consumidor
6. Jogo Ilícito
- Atividades de jogo fora do quadro legal, regulamentadas pela Lei n.º 8/96/M
- Inclui avaliações penais e administrativas para operadores não autorizados
7. Responsabilidade Civil e Penal
- Envolva a responsabilidade por danos causados por práticas abusivas, violação de jogo ou fraude
- Pode incluir litígios entre jogadores e operadores, ou entre operadores e o Estado
8. Fiscalidade do Jogo
- Refere-se à tributação sobre receitas brutas de jogo, taxas de concessão e contribuições sociais
- Instrumento de redistribuição e financiamento de políticas públicas
9. Proteção do Jogador
- Inclui medidas contra o vício do jogo, limites de crédito, exclusão voluntária e campanhas de sensibilização
- Parte da política de jogo responsável
10. Dimensão Internacional e Comparada
- Macau é um dos maiores centros de jogo do mundo, e seu modelo é frequentemente comparado ao de Las Vegas ou Singapura
- Estudos comparativos ajudam a avaliar eficácia regulatória e impactos sociais
ÍNDICE
Parte I – Fundamentos Históricos e Jurídicos
Capítulo 1 – A Origem do Jogo em Macau
- Evolução histórica do jogo na RAEM
- Influência das tradições chinesas e da administração portuguesa
- Legalização e institucionalização do setor
Capítulo 2 – Fontes do Direito do Jogo
- Constituição da RAEM e Lei Básica
- Leis ordinárias e regulamentares administrativas
- Princípios gerais do ordenamento jurídico aplicável ao sector
Capítulo 3 – Modelos Comparados de Regulação
- Sistemas de concessão vs. licenciamento
- Comparação com Las Vegas, Singapura e Lisboa
- Implicações jurídicas e económicas
Parte II – Estrutura Legal e Institucional
Capítulo 4 – Regime Jurídico das Concessões
- Processo de atribuição e renovação
- Obrigações contratuais e cláusulas regulatórias
- Extinção e reversão das concessões
Capítulo 5 – Entidades Reguladoras e Fiscalizadoras
- Papel da Direcção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ)
- Relação com o Chefe do Executivo e a Assembleia Legislativa
- Mecanismos de controlo e auditoria
Capítulo 6 – Tributação e Finanças Públicas
- Regime fiscal aplicável às operadoras
- Contribuições especiais e fundos sociais
- Impacto orçamental e redistribuição
Parte III – Direito Penal, Compliance e Responsabilidade
Capítulo 7 – Infracções e Sanções no Setor do Jogo
- Tipologia de ilícitos administrativos e penais
- Lavagem de dinheiro e financiamento ilícito
- Responsabilidade das operadoras e dos seus dirigentes
Capítulo 8 – Compliance e Prevenção
- Programas de integridade e controlo interno
- Cooperação Internacional e Normas do GAFI
- Protecção de dados e segurança digital
Parte IV – Desafios Contemporâneos e Perspectivas
Capítulo 9 – Jogo Online e Regulação Tecnológica
- Ausência de enquadramento legal específico
- Riscos e oportunidades de digitalização
- Propostas de reforma legislativa
Capítulo 10 – Turismo, Cultura e Sustentabilidade
- Intersecção entre jogo, hospitalidade e património
- Estratégias de diversificação económica
- Responsabilidade social das operadoras
Capítulo 11 – Reformas e Futuro do Direito do Jogo
- Revisão do regime jurídico pós-2022
- Participação pública e transparência institucional
- Perspectivas para uma regulação mais ética e sustentável
Apêndices e Recursos
- Legislação consolidada (Lei n.º 16/2001, regulamentos complementares)
- Jurisprudência relevante dos tribunais da RAEM
- Entrevistas com especialistas e operadores
- Glossário técnico e bibliografia comentada